Pflex Arquitetura Desobediente

PROJETO MLBUS

A disciplina de projeto Arquitetura Desobediente, desenvolvida no segundo semestre de 2017 sob orientação da professora Marcela Brandão, foi elaborada a partir da doação de um ônibus da empresa VINA para o MLB que, apesar de antigo (fabricado em 1994), estava em perfeitas condições para realizar os deslocamentos que o Movimento necessitava para suas ações de militância. O “direito à cidade”, experimentado por jovens que participaram de uma ação extensionista anterior, que foram as oficinas de rádio, poderia ser ampliado, e isso foi percebido pelo Movimento como sendo um ganho enorme para a luta pela moradia. 

Dessa forma, a disciplina propôs a transformação do ônibus, sendo que este deveria promover maior mobilidade urbana aos moradores das ocupações organizadas pelo MLB, mas também possibilitar diferentes usos e apropriações, ou seja, quando estivesse estacionado, ele deveria acolher outras atividades importantes para os moradores das ocupações, como feiras e sessões de cinema. Assim, o plano de ensino da disciplina propôs a conjugação entre projeto e construção, na escala do que é entendido como “arquitetura de interiores”, trabalho que foi desenvolvido coletivamente entre discentes e a comunidade das ocupações Eliana Silva e Paulo Freire, na região do Barreiro em Belo Horizonte.

 

processos de aproximação do território

A disciplina teve como ponto de partida a abertura de um breve diálogo para contextualizar o assunto em questão, além de apresentar algumas observações a respeito do trabalho em uma ocupação. Um dos principais pontos apresentados foi a relação de a parceria entre a Universidade e a comunidade, cria um acordo que ultrapassa os prazos e limites da disciplina, uma vez que diz respeito a narrativas extremamente heterogêneas. Dessa forma, foi necessário entender e respeitar o tempo e a disponibilidade de cada um dos envolvidos. Assim, o Pflex teve como objetivo, desenvolver discussões e práticas que vão muito além do desenho e se expandem no sentido de envolver, diretamente, a comunidade e os discentes, numa produção coletiva.

Os alunos da disciplina iniciaram o processo com a elaboração de “instrumentos cartográficos”, com o objetivo de disparar discussões sobre mobilidade urbana, relações de vizinhança, as atividades dos moradores no seu cotidiano, e também nas festas, reuniões, bazares, manifestações, etc. Além de uma maquete desmontável do ônibus, os alunos montaram um grande mapa do entorno do Vale das Ocupações, e com os equipamentos públicos marcados, construíram um jogos de palavras e um kit de imagens de ônibus reformados. A  intenção era cartografar o território; mapear a produção do espaço engendrada por eles; ampliar repertórios; levantar as habilidades de cada um e os recursos disponíveis nas ocupações; discutir possibilidades e construir os acordos necessários para a realização efetiva da reforma do ônibus.

Contato com o terreno da Ocupação Eliana Silva

O primeiro contato com as ocupações do Barreiro foi extremamente importante para o desenvolvimento da disciplina. Em uma visita à Ocupação Eliana Silva, os alunos puderam observar: a declividade do terreno previsto para acolher o MLBus e outras atividades, assim como fazer levantamentos topográficos e fotográficos do local; a existência da estrutura de dois banheiros que eram subutilizados; a potencialidade do terreno de articular a ocupação com o bairro vizinho, tendo em vista seus duplos limites: Av. Che Guevara, interna à ocupação, e Av. Perimetral, externa à ocupação; e as dificuldades de manobras do ônibus no terreno.

 

Instrumentos dialógicos

Antes da ida ao território para a realização das dinâmicas junto aos moradores, os alunos realizaram em sala a elaboração: de uma maquete do terreno e do ônibus; de uma malha qualificada do terreno; de um mapa do entorno das ocupações; além de ícones disparadores de debates, os quais eram divididos por 1) grupos, encontros, eventos e oficinas + 2) habilidades e materiais disponíveis + 3) lugares e a relação econômica e de troca.

Demandas levantadas

Em uma primeira conversa entre alunos e moradores, no dia 10 de agosto de 2017, na ocupação Eliana Silva, a demanda principal levantada foi a de construir um espaço multiuso, capaz de ser destinado tanto para festas, quanto para reuniões e até mesmo ser sede do MLB. Entretanto, devido a inexistência de verba, tornou-se impraticável criar uma estrutura no terreno existente, daí surgindo a ideia de utilizar o ônibus como espaço coletivo. Algumas das ideias que surgiram para o uso do ônibus foram: a criação de um bazar; o uso para deslocamento dos moradores pela cidade; e o uso coletivo para reuniões e encontros.

Algumas das potencialidades percebidas, citadas anteriormente, foram: 

  1. A existência de estrutura de dois banheiros que estavam subutilizados na ocupação.
  2. Visibilidade e potencialidade do terreno de articular com o bairro vizinho.

Dinâmica sobre dispositivos de diálogos realizada na ocupação Eliana Silva, no dia 10 de agosto de 2017.

Alguns problemas foram percebidos e destacados pelos alunos após a primeira conversa na Eliana Silva.  Entre os principais, se destacou a participação de poucos moradores, fato que poderia ser justificado pelo horário no qual a reunião aconteceu, já que tratava-se de um dia de semana e em horário comercial. Além disso, os grupos tiveram uma certa dificuldade em criar um diálogo conciso e por fim, foi colocada em pauta a eficiência do jogo, afinal, naquela ocasião o jogo foi algo um tanto quanto confuso e talvez apenas perguntas disparadoras gerariam uma articulação mais clara e possível de interação. 

Na intenção de reduzir esse problema, foi criada uma nova metodologia de aproximação. Durante o percurso da disciplina foram criados dispositivos capazes de aproximar os moradores do processo, sendo que um deles foi a criação de uma dinâmica com perguntas disparadoras. Tais dispositivos tinham a função de sair do sistema convencional e propor um diálogo personalizado para aquela localidade, assim como o reconhecimento e proposta de parcerias. Além disso, o uso do mapa do território, com a possibilidade de identificação e marcação, possibilitou uma conversa fluida.

    Dinâmicas realizadas com os moradores em visita à Paulo Freire, no dia 21 de agosto de 2017.

    A fim de angariar recursos financeiros para o mutirão da reforma do MLBus, os discentes promoveram bazares na Escola de Arquitetura. 

    propostas

    A partir das discussões feitas, os alunos desenvolveram propostas arquitetônicas, com orçamentos e cronograma das atividades necessárias para sua execução e depois, apresentaram-nas aos moradores.  Entre as propostas, destacam-se: a retirada de alguns bancos internos do ônibus para dar lugar a um novo mobiliário capaz de acolher atividades de leitura, venda de produtos e pequenas reuniões; e a instalação de um toldo na lateral externa do ônibus, que quando esticado na horizontal, formaria uma tenda agregando atividades sob ele, e quando esticado verticalmente, funcionaria como uma grande tela de projeção de filmes. Algumas das propostas foram executadas em um fim-de-semana, sob a forma de mutirão.

      Propostas dos discentes para o MLBus.

      Mutirão para início da reforma do MLBus.

      segmentos posteriores

      A alteração estética da carcaça do ônibus também foi aprovada pelos moradores das ocupações, mas só foi executada após o término da disciplina. Os bolsistas dos projetos de extensão e pesquisa da época se encarregaram dessa atividade, que incluiu desde o desenvolvimento da identidade visual do ônibus, até sua execução de fato. Para isso, foi feito um mapeamento das palavras fortes associadas ao MLB em sua página do Facebook, e posteriormente, foram apresentadas em uma discussão entre discentes e coordenadores do Movimento, na intenção de definir quais palavras comporiam a identidade visual pretendida, foram selecionadas: moradia digna, protesto, direitos, reforma urbana, feminismo, famílias e outras. Essas palavras foram pintadas, sob a forma de um skyline, nas laterais do ônibus pelos próprios alunos e com o apoio dos funcionários da VINA, que também disponibilizaram tintas e equipamentos de pintura.

        Durante a reforma do MLBus.

        Em fevereiro de 2018, o ônibus foi entregue ao MLB, em um café da manhã comemorativo que contou com a presença dos moradores, lideranças, representantes da VINA, estudantes e professores da Escola de Arquitetura. Junto com o ônibus, também foi entregue à comunidade o mobiliário desenvolvido na disciplina do curso de Design, ministrada pela professora Luciana Bragança, no 2º semestre de 2017, para dar suporte às atividades educativas da biblioteca da Ocupação Eliana Silva e/ou às atividades itinerantes a serem realizadas através do ônibus  doado.

          MLBus finalizado e entregue à comunidade.

          Desde então, o ônibus passou a circular pela cidade, e é utilizado até os dias de hoje pelo MLB em suas práticas políticas, promovendo bazares, levando os moradores para reuniões, manifestações e outras atividades.

            Cartazes de divulgação da coleta de assinaturas para a formação do partido político Unidade Popular pelo Socialismo (UP); e eventos onde o MLBus e os móveis desenvolvidos na disciplina da professora Luciana Bragança estiveram presentes